O
Maracanã estava vazio naquela quarta de julho. O friozinho, aliado à
campanha apenas regular do Flamengo no campeonato brasileiro, ajudava
a espantar o público. Só os fanáticos de sempre estavam no estádio
cinquentão para assistir ao jogo contra o Bahia.
Ele,
obviamente, estava lá, sozinho. Era quase um ritual: o Flamengo
jogava, ele marcava presença. Foram incontáveis brigas com
namoradas, ausências em festas de casamento de amigos... Tudo
trocado pela satisfação inigualável de ver o time em campo. Há
pouco mais de um ano então – desde a morte do pai – que as idas
ao estádio ficaram ainda mais doces. O pai sempre fora um tipo
calado, o Flamengo era o ponto de conexão dos dois, um dos poucos
assuntos dos quais eles não discordavam. Cada nova visita ao
Maracanã o enchia de uma certa melancolia, a lembrança da figura
paterna.
Para
falar a verdade, sua vida e o Flamengo corriam juntas, era possível
traçar um paralelo entre as glórias rubro-negras e os feitos nem
tão gloriosos da sua vidinha.
Bola
rolando e o time jogava bem, imprensando os visitantes baianos, o
primeiro gol até demorou a acontecer, só aos 45 minutos do primeiro
tempo. Ele lembrou da primeira vez em que assistiu a um clássico no
estádio: Flamengo 3X0 Botafogo, no distante ano de 1979. Ele era um
garoto de onze anos: jogava bola no playground do prédio, furtava
bala nos supermercados e via as meninas com uma mistura de fascínio
e medo.
Intervalo:
Flamengo 1X0 Bahia
Começou
o segundo tempo e o panorama do jogo – felizmente - não se
alterou: era o Flamengo apertando e o Bahia se defendendo.
Com
12 minutos de bola correndo, o segundo gol. À lembrança veio a
final do Mundial de Clubes em 1981: Flamengo 3X0 Liverpool, um sonho
realizado, o seu time Campeão do Mundo. Ele, com 13 anos, começava
a descobrir os “fatos da vida” e o fascínio pelas garotas
começava a superar o medo.
Mais
oito minutos e o terceiro gol rubro-negro. Dessa vez ele se recordou
do tricampeonato brasileiro conquistado em 1983. Ele não sabia muito
bem por que, mas nesse jogo ele tinha uma recordação muito viva da
alegria no rosto do pai. Aquela foi uma época boa, mas confusa. Eram
os primeiros amassos, uma ansiedade louca em perder a virgindade
(estado obviamente escondido dos amigos) e inseguranças mil ligadas
à adolescência, que mudava seu corpo e interesses com uma
velocidade fantástica e assustadora.
Aos
30 minutos, a goleada se desenha de vez: 4X0 para os cariocas. Gol do
centroavante Jean, que o fez lembrar de um outro atacante, o franzino
Bebeto, autor do gol do quarto campeonato brasileiro, conquistado em
1987. Ele gostava do futebol do Bebeto, rápido e habilidoso, como o
seu, que ele exibia em peladas nas areias do Posto Nove, na Praia de
Ipanema, durante o célebre “verão da lata”. Bons tempos...
Primeiro ano de faculdade e o mundo de braços (e pernas) abertos à
frente.
Bola
cruzada na área dos visitantes, 39 minutos do segundo tempo, o
zagueiro Fernando sobe e faz mais um: 5X0. O quinto gol, que remete à
lembrança óbvia do quinto título nacional, conquistado em 1992.
Ele estava recém-casado, mas o pouco tempo de vida em comum já
tinha sido bastante para mostrar que o casamento não iria muito
longe. E, realmente, não foi. Mais seis meses e ele já “curtia“
a solteirice de novo.
Fechando
a tampa do massacre, o Flamengo fez seis a zero aos quarenta e cinco
minutos. Ele lembrou da última grande alegria vivida no estádio: a
conquista do tricampeonato estadual em cima do Vasco, em 2001, dois
meses antes da doença do pai começar a se manifestar. Impossível
conter uma lágrima ao lembrar da longa e cruel doença do velho.
Lágrima que contrastava com a alegria da torcida no Maracanã.
Contribuição enviada pelo amigo Carlos Dias http://www.facebook.com/carlos.dias.9047